#14 Sensopercepção
Nossa primeira etapa de reconhecimento do mundo. Está relacionada aos estímulos que recebemos, nosso sistema sensitivo e nossa percepção, ou seja, nosso processamento destes estímulos.
Este assunto foi abordado no episódio abaixo:
No senso comum não há muita diferenciação do que seria a sensação em si e a percepção dos estímulos.. das sensações. Porém o processo da sensopercepção tem etapas sendo a sensação e a percepção uma delas. Além deles, precisamos dos estímulos. A alteração da sensopercepção é quando uma dessas etapas não está em consonância com as demais, como veremos a seguir.
ESTÍMULOS » SENSAÇÃO » PERCEPÇÃO
ESTÍMULOS
Os estímulos são elementos do ambiente que interagem/impactam nosso organismo. Os estímulos variam de tipo e intensidade. Há estímulos físicos como a luz, som, calor, pressão e estímulos químicos como sabor, odor e ações sobre a pele. A intensidade desses estímulos é a graduação de impacto, como diferenciarmos um sussurro de uma gritaria.
Temos capacidade limitada de nos concentrarmos em vários estímulos simultaneamente. Esta é a razão pela qual trocar mensagens pelo celular ao volante é tão perigoso. Entretanto, também temos a capacidade de adaptação após a exposição prolongada a determinado estímulo, como se o corpo “se acostumasse” após um tempo.
Por exemplo, quando entra na sala de cinema e o cheiro de pipoca é sentido bem forte, depois de um tempo parece não senti-lo mais. Ou, quando entramos numa piscina gelada e depois de um tempo nos acostumamos com a temperatura.
SENSAÇÃO
Tem a ver com os órgãos dos sentidos e a relação deles com o mundo. É o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou biológicos variados, originados fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores.
Didaticamente, há três tipos de captação:
Exteroceptivas » captação dos estímulos do ambiente como tato, olfato, paladar, visão e audição.
Cenestésicas » sensações relacionadas aos nossos órgãos internos como batimento cardíaco, respiração e contração do abdômen.
Cinestésica » percepções de movimento. É saber, mesmo sem ver, como está a posição do nosso corpo.
A experiência sensorial vai muito além dos cinco sentidos básicos que aprendemos na escola. Por exemplo, somos sensíveis não apenas ao toque, mas a um conjunto consideravelmente amplo de estímulos como dor, pressão, temperatura e vibração.
PERCEPÇÃO
É a elaboração feita em nosso cérebro como classificação, interpretação e análise dos estímulos captados pelos órgãos de sentido. É a tomada de consciência que, somados às experiências vividas e ao contexto sociocultural, constrói significado, uma criação na mente de quem o percebe. Um evento ativo. Sofre influência não só dos estímulos recebidos, mas das experiências já construídas. Então, a nova percepção é diferente da anterior, pois ela parte do que já temos de bagagem.
ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS
Intensidade a qual o indivíduo sente/percebe o ambiente.
HIPERESTESIA
Percepções aumentadas em intensidade ou duração. Exemplo: um ruído parece um estrondo ou cores são percebidas como muito vívidas e intensas. Uma situação em que a hiperestesia pode ser percebida é quando se tem febre, as sensações são mais intensas, mais fortes que a normalidade. Pode ocorrer em casos de intoxicação por LSD, eventualmente ao uso da maconha, cocaína, Santo Daime. Há, também, relatos em casos de enxaqueca e em pessoas com epilepsia. Pessoas em mania, costumam apresentar uma experiência mais intensa. Apesar de, geralmente, pacientes depressivos apresentarem hipoestesia, no caso de dores, os relatos são de dores mais intensas que a normalidade.
HIPOESTESIA
Oposto da hiperestesia - diminuição em intensidade ou duração. Observada em pacientes com depressão grave, quando as cores são vistas como pálidas e sem brilho, alimentos perdem o sabor, odores perdem a intensidade.
ANESTESIA
Não sente determinada parte do corpo. Pode ocorrer em depressões severas, quadros de estreitamento da consciência, quadros neurológicos.
ALTERAÇÕES QUALITATIVAS
É dissonância entre o estímulo, a captação dele pelo sistema sensorial ou pelo processamento cognitivo desse estímulo e dessa sensação.
ILUSÃO
Distorção da percepção de algo que, de fato, está no ambiente. É uma confusão a partir de algo que o gerou. Sempre há um objeto externo gerador da ilusão.
Ao ver uma caneta (real), pensa ser um bicho.
Ao escutar um barulho no vizinho, pensa que o barulho parece a porta se abrindo e seassusta pensando qe pode ser um ladrão.
Ver uma sombra e achar que é uma barata.
Escutar um barulho e achar que é um ladrão.
Patologicamente, é mais comum no delirium, demência ou quadros de desatenção. É comum ocorrer em pessoas normais, na vida cotidiana quando está com sono, indo dormir ou prestes a acordar.
.
ALUCINAÇÃO
Principal e mais preocupante alteração qualitativa da sensopercepção. É uma percepção clara e definida SEM a presença real de um estímulo. Diferenciam-se das ilusões pois não há presença de um objeto real que gera a distorção.
Ver uma cobra rastejando-se pela parede branca, lisa, sem nenhum objeto, nada que dê o gatilho para a imagem construída.
Quando há uma alucinação auditiva, meu tímpano está parado, não há nada que o estimule, apesar do cérebro estar percebendo um som.
Pode ocorrer em diversos quadros de humor, maníacos, TP borderline, histriônica, esquizofrenia, dependência química. Pacientes esquizofrênicos com mais frequência tem alucinações auditivas e sinestésicas do que visuais. Quando a descrição é de alucinação visual, é mais provável que seja uma alteração orgânica do que um quadro psicótico.
Nem todas as pessoas que já tiveram algum episódio de alucinação tem algum tipo de transtorno mental, pode ter influência de questões culturais ou religiosas
Alucinação Auditiva
É o tipo mais frequente nos transtornos mentais.
Tipo Simples » zumbidos, cliques, estalidos, burburinho. Mais frequente quando o paciente já tem problema auditivo.
Tipo Complexo » escuta vozes sem qualquer estímulo real. Geralmente ameaças ou insultos com conteúdo persecutório ou depreciativo. Pacientes esquizofrênicos normalmente acreditam que a voz é fruto de uma conspiração, um chamado, de algo que o está perseguindo.
Alucinação Visual
Tipo Simples / Fotopsias » vê cores, bolas, pontos brilhantes. Mais frequentes em pessoas com doenças oculares mas pode se manifestar também em acidentes vasculares que comprometem as vias visuais, na esquizofrenia, etilismo, enxaqueca e epilepsia.
Tipo Complexa » Figuras e imagens de pessoas, partes do corpo, entidades, objetos inanimados ou animais. Apesar de aparecerem em quadros de esquizofrenia são mais frequentes em quadros neurológicos, de demências.
Alucinação Musical
Escutar uma música (geralmente já conhecida) sem que haja algum estímulo para isso. Não é somente lembrar da música, é ouvi-la como se estivesse realmente tocando. Geralmente a pessoa tem consciência clara e crítica de que outras pessoas não estão ouvindo o mesmo que ela. Costuma aparecer em mulheres idosas com perda progressiva de audição e pessoas com distúrbios neurológicos, depressão ou esquizofrenia.
Alucinação Cenestésicas
Alucinações da percepção dos seus órgãos internos como sentir que o coração foi arrancado ou que seu estomago está pulando.
.
ALUCINOSE
O indivíduo tem a experiência da alucinação, mas tem a crítica imediata de que aquilo não existe de fato. Mais frequente em quadros neurológicos.
Exemplo: pacientes com enxaquecas que veem luzes, mas sabem que aquilo não é real.
ILUSÃO CATATÍMICA
Ocorre quando o afeto está alterado.
Em uma situação de muito medo - quando está andando numa rua escura e pensa estar sendo perseguido.
Quando está apaixonado - vê a pessoa amada em rostos das pessoas da rua.
PSEUDOLOGIA FANTÁSTICA E/OU MITOMANIA
Necessidade de criar histórias e contar às pessoas, nem sempre para se favorecer, não há ganho específico.
PAREIDOLIA
Representações simbólicas, imaginárias, formadas a partir de estímulos imprecisos, imagens com pouca nitidez, incompletas, aproxima-se a uma imagem real. Não há, em nenhum momento, a ideia de ser verdadeiro. Por característica não é patológica.
Ver uma figura na nuvem ou na borra do café. ilusão em que a pessoa tem total consciência que é uma ilusão.
SINESTESIA
Um estímulo de um determinado sistema sensorial sendo captado por outro. Sentir sons, ver cheiros. Fenômeno muito específico em intoxicação por LSD.
MACROPSIA
Ambiente se torna distorcido – objetos, ambiente, maiores que o normal. Geralmente em quadros psicóticos.
MICROPSIA
Oposto da Macropsia. Além de estar presente em quadros psicóticos, este, especificamente, pode ocorrer em quadros de alcoolismo.
SENSOPERCEPÇÃO NOS TRANSTORNO MENTAIS
TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR (TDM)
Hipoestesia; Ilusões catatímicas » distorções de elementos reais do ambiente – condizente com o humor deprimido – para ratificar a ideia prevalente naquele indivíduo.
EPISÓDIO MANÍANO (TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR)
Hiperestesia; Ilusões catatímicas » distorções de elementos reais do ambiente – condizente com o humor eufórico – para ratificar a ideia prevalente naquele indivíduo de grandiosidade. É possível apresentar alucinação também, daí, seria um especificador da mania – mania com sintomas psicóticos.
ESQUIZOFRENIA
Alucinações - cenestésicas e auditivas; Hipoestesia
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Dificilmente pacientes ansiosos apresentam alteração na sensopercepção com exceção de pacientes com TEPT que relatam escutar barulhos relacionados a seu trauma, do acidente, das pessoas, etc.
RECOMENDAÇÕES
Livro - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais » Paulo Dalgalarrondo