#25 Catastrofismo (Distorções cognitivas)
A pessoa é levada a acreditar no pior. O desastre parece iminente.
O que perturba o ser humano não são os fatos, mas a interpretação que ele faz dos fatos. (Epitectus – Século I)
Uma das abordagens da psicologia, a Terapia cognitivo comportamental, tem como pressupostos básicos:
A atividade cognitiva influencia o humor e o comportamento;
A cognição é passível de ser monitorada e alterada;
Com a modificação da cognição, há influência na mudança do comportamento e da resposta emocional.
Uma das influências filosóficas para a formulação da base epistemológica da TCC vem do estoicismo baseada na ideia de que o sofrimento não está no problema em si, mas na forma que o interpretamos, ou seja, no pensamento. Este é o princípio que norteia toda a base teórica desta abordagem.
Situação » Pensamento » Emoção » Comportamento.
Entender esse modelo significa assumir que seus comportamentos não dependem das suas dores e circunstâncias passadas. Ou seja, independentemente do que os outros lhe tiverem feito no passado, você não vai precisar puni-los nem perdoá-los para poder seguir em frente. Por mais que outras pessoas ou situações desafortunadas tenham lhe causado dor, a TCC considera que é você o único responsável por determinar se a dor vai ou não continuar a influenciar seus comportamentos na sua vida atual.
Por mais que as situações da vida sejam diversas, o que você pensa acerca dos fatos determinará, em grande parte, aquilo que você sentirá e o que você, consequentemente, fará.
» Quem acredita que uma certa situação não tem mais saída se comporta de uma maneira muito diversa de quando ainda tem esperança.
» Quem está convencido de que foi ferido de propósito pelo outro reage de forma diferente de quem acha que o que houve não passou de um acidente.
» Se você é daqueles que acreditam que os outros são integralmente responsáveis pela sua vida - e, portanto, não há nada que se possa fazer para remediar sua própria situação -, que motivação poderá ter para se esforçar? Mas se, pelo contrário, é dos que acreditam na possibilidade de seguir adiante a despeito dos demais e de tudo o que já aconteceu, você será capaz de avançar e começar a refletir acerca de que tipo de tentativa fazer.
A partir daí, um dos primeiros trabalhos clínicos da TCC é a identificação e modificação de distorções ou erros cognitivos, que são equívocos característicos na lógica dos pensamentos.
NOTA: Todos nós cometemos estes equívocos. As distorções são comuns. O importante é identificarmos esses padrões e trabalharmos na mudança. Esses “maus hábitos mentais” são capazes de nos induzir a erros de interpretação ou julgamentos errados, gerando emoções dolorosas e levando-nos a comportamentos dos quais nos arrependeremos depois. Quem nunca tomou alguma atitude e depois disse: "Nossa! Não sei porquê fui agir daquela maneira! Não deveria ter feito assim!"? Ou ainda: "Estava me sentindo tão mal que nem pensei direito na hora."?
Há diversas distorções cognitivas e suas nomenclaturas variam. Vou trazer as principais nas próximas newsletters e tentar trazer também exemplos para que fique claro de entender. Como são várias, para não ficar muito cansativo, prefiro trazer aos poucos.
Então, chega de introdução, vamos a tema da Newsletter de hoje:
CATASTROFISMO
A pessoa acredita que o que aconteceu ou vai acontecer é tão terrível e insuportável que não conseguirá aguentar, é levada a acreditar no pior, mesmo que não tenha evidências suficientes que esse cenário catastrófico acontecerá.
Os filhos, adolescentes, saem para ir ao shopping e não chegam em casa na hora combinada. A mão logo pensa "estão mortos!", "foram sequestrados", "alguém os atropelou". Em consequência, seu coração começa a bater desenfreadamente; o pavor começa a aumentar, aumentar e ela não consegue nem mesmo fazer um telefonema. Algum tempo depois, os filhos chegam em casa rindo e pedindo desculpas pelo atraso e dizendo que encontraram com outro coleguinha no caminho, por isso demoraram um pouco mais.
Todo o sofrimento que essa mãe passou, ainda que desnecessário e desgastante, é ainda o menor dos problemas que o catastrofismo pode causar. Perceba que ele pode resultar não só na perda de oportunidades, mas também na impossibilidade de procurar uma saída efetiva, caso o problema seja real.
Desistir de achar uma solução é uma tendência recorrente de quem faz catastrofismo. Isso acontece, porque, ao acreditar que algum desastre é inevitável, perdemos toda e qualquer motivação para nos esforçamos em solucionar o problema.
Se estamos convencidos de que não há nada que possa ser feito, provavelmente faremos nada.
Obviamente, que, em determinadas ocasiões, nosso pensamento vai escorregar automaticamente para o pessimismo, em vez de para o otimismo. Ao recebermos uma carta da Receita Federal, a primeira coisa que pensamos seria algo como: "essa não, só pode ser um aviso de que eu caí na malha fina" e não "Que maravilha! Mal posso esperar para abrir este envelope. Aposto que estão me dizendo que eu tenho direito a uma grande restituição."
Do mesmo modo, se o filho chega em casa com um bilhete da diretoria, o mais provável é que sua mãe lhe pergunte: "O que foi que você aprontou desta vez?" - não que parta do princípio de que o envelope contém um convite para o próximo chá da Associação de Pais e Mestres da escola.
Ou ainda, quando a funcionária é chamada para comparecer em 20 minutos na sala do seu chefe, sente um “mau pressentimento”, seu coração parece que vai sair do peito e o estômago revira. Ela se prepara para ouvir uma crítica - ou pior, ser demitida. Durante esses 20 minutos, que parecem mais 20 anos, revê mentalmente todos os erros que cometeu ao longo dos cinco anos em que trabalha na empresa, na tentativa de descobrir a causa do desastre que ela tem certeza que a aguarda. Porém, no fim das contas, o chefe só quer tirar dúvidas sobre um relatório enviado. Todo o seu sofrimento fisico e mental foi à toa.
O sofrimento desnecessário, todavia, talvez seja o menor dos problemas provocados pela tendência ao catastrofismo:
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PARALISAÇÃO
Às vezes o catastrofismo resulta não só na perda de uma oportunidade, mas na impossibilidade de procurar uma saída. Uma tendência recorrente de quem acredita que o desastre é inevitável é simplesmente desistir, e não fazer o menor esforço para resolver o problema. Afinal, se você está convencido de que não há nada que se possa fazer, então provavelmente não vai fazer nada.
Leo está dirigindo para uma importante entrevista de emprego e entra na rua errada. Olha no GPS e vê o tempo aumentado para chegar ao seu destino e pensa: "Pronto, acabou. Perdi o emprego". Fica tão chateado que se distrai da direção e acaba perdendo a segunda entrada que o recolocaria no caminho certo.
Ana está procurando um importante documento e está com dificuldade de encontrá-lo. Pensa "Eu devo ter jogado fora" e em seguida "É a minha cara jogar fora um negócio importante. Nem adianta procurar, não vou encontrar nunca."
Theo foi despedido do emprego e "sabe" que nunca mais vai arranjar outro. Quando envia alguns currículos e não obtém resposta, pensa "está vendo? Eu sabia, não adianta". Um amigo toma conhecimento de uma vaga e o avisa, mas ele pensa "não adianta, eles jamais me contratariam" e nem se dá ao trabalho de enviar o currículo.
PROFECIA AUTORREALIZÁVEL
Infelizmente, essa tendência a pensar no pior de alguma forma acaba fazendo com que o pior - ou algo tão ruim quanto - de fato aconteça. É a célebre profecia auto-realizável.
Se Ana desistir de procurar o documento, não vai encontrá-lo.
Se Theo não continuar procurando um emprego, dificilmente vai conseguir um.
Portanto, fará com que sua própria previsão se realize.
Ficar imaginando o pior pode provocar o desastre temido de maneiras muito sutis. Pois te tira do pensamento realista e não te deixa fazer decisões acertadas. É o tipo de coisa que acontece o tempo todo.
Marcos é um bom representante de vendas mas está aterrorizado com a ideia de fazer um discurso para uma plateia grande pela primeira vez. Antes de entrar no palco, uma série de cenas terríveis lhe passam pela cabeça:
O microfone não vai funcionar.
Vou ficar nervoso e perder a cabeça.
Com isso, vou começar a gaguejar.
Daí, vou me confundir todo.
Todo mundo vai rir de mim.
Meu chefe vai ficar furioso.
Não terei a minha aguardada promoção.
Vou perder o emprego.
Será o meu fim.
Em questão de segundos, Mark ao mesmo tempo escreveu o roteiro do desastre e persuadiu-se da sua inescapabilidade. O que acontece em seguida é que, quando sobe ao palco, esteja tremendo, as palmas das suas mãos estejam molhadas de suor, seus joelhos estejam bambos e sua voz, trêmula. De fato, ele gagueja. E de fato, perde a cabeça. "Eu sabia", ele diz para si mesmo, arrasado. Para ser mais exato, foi ele que provocou o acontecido, ao se deixar levar por seus pensamentos catastróficos.
O QUE FAZER? SER REALISTA
Ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, o oposto de catastrofismo não é o "pensamento positivo", mas o PENSAMENTO REALISTA. Não se trata de sempre pensar positivo e nunca considerar alternativas negativas, mas de questionar os próprios pensamentos constantemente, antes de dar a eles toda a sua confiança.
Um pensamento realista não significa partir do alegre princípio de que vai dar tudo certo ou de que "não vai acontecer comigo". Mas tampouco significa presumir que "vai dar tudo errado, estou perdido"
Coisas ruins acontecem. Entretanto, em geral a conclusão precipitada de que o céu desabou (ou está prestes a fazê-lo) sobre as nossas cabeças não passa de um equívoco - o que, por sua vez, pode acabar criando um problema que de outro modo não existiria, provocando um sofrimento que poderia ser evitado.
No exemplo anterior, da mãe que aguarda por seus filhos, ela poderia ter questionado seus pensamentos preliminares: "será mesmo que estão mortos? Quais as evidências que eu possuo disso?". O momento certo de nos questionarmos é aquele em que começamos a ficar nervosos - e todo mundo sabe quando isso está acontecendo.
Quem cultiva o pensamento realista reconhece a possibilidade de um meio-termo, de que haja outras explicações; não nega que o pior seja possível, mas também não parte do princípio de que o pior é certo sem antes averiguar. O objetivo é sempre colocar em dúvida aquela terrível conclusão inicial, repensar aquela premissa derrotista, reconsiderar a aterrorização. Trata-se de resistir à tentação de tomar direto o atalho mental que nos leva de uma única ideia negativa à conclusão de que o desastre é iminente e inescapável.
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RECOMENDAÇÕES
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As 10 Bobagens Mais Comuns que as Pessoas Inteligentes Cometem »»» Acredite em mim, o título é muito ruim mas o conteúdo é bom! O livro vai abordar as principais distorções cognitivas e como contorná-las.
Não acredite em tudo que você sente »»» Quem disse que psicólogos são bons para escolha de títulos? O autor desse livro é uma das referências em TCC. Só vá.
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