Como percebemos nosso próprio corpo?
O que é "imagem corporal" e como que podemos ter uma percepção diferente daquilo que é real.
A imagem corporal é a figura de nosso próprio corpo que formamos em nossa mente, o modelo pelo qual representamos mentalmente nosso corpo. O que vemos no espelho, não necessariamente é o objeto real, mas sim o que representamos mentalmente. Este conceito está ligado à distorção da imagem corporal, sintoma presente em algumas patologias como a Anorexia nervosa, Bulimia Nervosa, Obesidade.
A imagem que a pessoa tem de si mesma é formada pela inter-relação:
Imagem idealizada ou aquela que se deseja ter;
Imagem representada pela impressão de terceiros;
Imagem objetiva ou a que a pessoa vê, olhando e sentindo seu próprio corpo.
A imagem que vemos refletida no espelho é a imagem mental que temos do nosso corpo, influenciada pela opinião de terceiros e pelos padrões culturais, principalmente na infância e na adolescência.
“Observo os objetos exteriores com meu corpo, eu os manejo, os inspeciono, dou a volta em torno deles, mas, quanto ao meu corpo, não o observo ele mesmo: para poder fazê-lo, seria preciso dispor de um segundo corpo que não seria ele mesmo observável.”
(Merleau-Ponty, 1945, p.135)
Como genialmente pontuado pelo filósofo Merleau-Ponty, o ser humano pode observar em 360º qualquer objeto existente no mundo com exceção do seu próprio corpo, não sendo possível se ter a percepção completa e observar a sua dimensão exata. Até em espelhos de lojas, em que há um espelho ne frente e um atrás, não vemos o corpo em 360º e sim duas imagens planas.
Um dos exercícios para melhorar essa percepção é pedir que alguém filme o seu corpo com você em movimento de frente e de costas.
COMPONENTES DA IMAGEM CORPORAL
A concepção da imagem corporal é resultado da interação entre os indivíduos permeado pelos aspectos biológicos, emocionais, relacionais e contextuais que perpassam as barreiras grupais, familiares e alcançam o espaço individual. O conceito de imagem corporal envolve componentes:
COMPONENTE PERCEPTIVO
Precisão (ou não) da nossa percepção à imagem real, à aparência física. Envolve uma estimativa de tamanho e peso e também a percepção de localização, saber onde e como está a posição do nosso corpo, onde é a barriga, pernas, cabelo, etc.
A distorção do componente perceptivo é a incapacidade de reconhecer o corpo de forma precisa e tem como possíveis fatores desencadeantes, comentários negativos relativos à aparência física ou ao tamanho corporal, comparação do próprio corpo com o estereótipo corporal de perfeição, agressões físicas ou experiências abusivas.
COMPONENTE SUBJETIVO / ATITUDINAL
Satisfação com a aparência, nível de preocupação e ansiedade associada. Envolve atitudes e sentimentos relacionados à aparência, subdividido nos eixos satisfação, cognição, comportamento e afeto. Esse aspecto tem muita influência do ambiente, do comentário das pessoas com quem convivemos e nossa trajetória ao longo do nosso desenvolvimento – o que escutamos e o que associamos à nossa imagem.
A distorção do componente atitudinal é evidenciada através da insatisfação, preocupação desproporcional e supervalorização do peso e das formas corporais, excessivo investimento, medo intenso de engordar, evitação, negação ou checagem corporal e ainda, sentimentos de nojo, vergonha, repulsa e desprezo com o seu corpo.
CONSTRUÇÃO DA IMAGEM CORPORAL
A construção da identidade corporal é um processo contínuo que se inicia no nascimento, onde cada sujeito lida com a representação de si ao longo do seu desenvolvimento, e está intimamente ligado ao ambiente e à cultura em que a criança está inserida.
O esquema corporal está SEMPRE relacionado à experiência afetiva, imposta pela relação com o outro, além da história de vida e experiências culturais.
» A família é o primeiro agente de socialização transmitindo mensagens sobre a aparência através de comentários, comparações, monitoramento e restrição do acesso à comida, além de servirem como modelos de comportamento.
» O ambiente social em que a criança está inserida impacta na forma como lida com a sua imagem corporal, incluindo a percepção de tamanho e a internalização de estereótipos ideais do corpo.
» A comparação social parece ser fator determinante na insatisfação corporal de adolescentes sendo este o grupo etário mais suscetível a consequências negativas de preocupações com a imagem corporal, tais como transtornos alimentares, comportamentos de risco para a própria vida e questões emocionais diversas.
» A aparência física exerce importante papel nas interações sociais, no modo como as pessoas se conectam e como se interpretam, atuando nas reações e atitudes, nas oportunidades profissionais e sociais, bem como nos relacionamentos afetivos.
» Compreender a influência cultural nos padrões de beleza é algo fundamental para entender a construção da imagem corporal. A ênfase cultural atribuída à aparência física aponta para um padrão de beleza, principalmente feminino, que varia historicamente.
Na idade média e renascimento, corpos mais robustos eram o sinônimo de riqueza e beleza femininos. Na década de 60 atrizes de cinema eram modelos da época, já na década de 70/80 eram as modelos retilíneas e sem curvas e nos últimos anos, com o advento das redes sociais, este padrão se alterou para um corpo mais atlético, muito influenciado pelas influenciers de lifestyle das redes sociais. O corpo na contemporaneidade é remodelável, ou seja, pode ser alterado, trocado, modificado através de remédios, hormônios, cirurgias e procedimentos estéticos e há uma necessidade crescente de sintonizá-lo com a tecnologia e o consumo.
Hoje vivemos uma incongruência na sociedade, que de um lado há uma disponibilidade e acessibilidade facilitada a um consumo alimentar excessivo contrastando do padrão de beleza, onde se exige um corpo magro e musculoso.
A sociedade tem uma influência grande na valorização (ou não) do corpo. A depender da sociedade, do ambiente cultural, a forma de lidar com a imagem é bastante diversa. No Brasil, por exemplo, há um culto à imagem, ao corpo, não à toa é o 2o país com maior número de cirurgias plásticas, perdendo para os EUA.
» Há diferença na percepção do corpo a depender da profissão (e das consequentes exigências que ela carrega). Bailarinas, atletas ou um trabalhador intelectual irão perceber e lidar com seus respectivos corpos de forma muito distintas.
Como exemplo, uma menina que entrou para o Ballet logo cedo, ao longo de sua trajetória com a dança, esteve sob forte pressão por um corpo magro - tendo impacto no seu referencial de padrão corporal e em sua alimentação. Esta menina terá maior probabilidade de desenvolver um transtorno alimentar ou uma relação disfuncional com seu corpo e sua alimentação - não sendo este, isoladamente, um fator determinante (lembre-se que todo transtorno mental é multifatorial.
INSATISFAÇÃO COM O PRÓPRIO CORPO
A insatisfação corporal surge principalmente de pressões socioculturais para ser magro defendido na cultura ocidental. Essas pressões são disseminadas por diversos meios, desde a glorificação de modelos dentro dos estereótipos de corpos ideais até por diálogos diretos de que se deve perder peso.
Atualmente, sobrepeso e obesidade estão relacionados a uma percepção social preguiça, falta de força de vontade e não conformidade. E a busca por estereótipos de beleza pode ser mais significativa do que a busca pela própria satisfação amorosa, profissional ou econômica além de uma crença de que alcançar esse padrão trará satisfação em todas as demais esferas.
A insatisfação com o tamanho do corpo favorece o engajamento em comportamentos alimentares inadequados para controlarem o peso, o que é fator precipitante para o desenvolvimento de Transtornos alimentares, sendo a restrição alimentar uma estratégia para controle do peso corporal, uma tendência a limitar o consumo alimentar consciente, a fim de prevenir o ganho de peso ou promover a sua perda.
O distúrbio da imagem corporal é um sintoma nuclear dos Transtornos alimentares, caracterizado por uma autoavaliação dos indivíduos que sofrem desse transtorno, influenciada pela experiência com o peso e a forma corporal. A imagem corporal não é algo estagnado, está em constante mudança e atrelada à percepção corporal e aos campos relacional, emocional, cognitivo e atitudinal de cada indivíduo.
A distorção da imagem gera severas perdas sociais, escolares, profissionais, relacionais, identitárias, cognitivas e uma redução de repertório comportamental (isolamento), além da piora do quadro patológico. Sendo assim, é um componente fundamental de atenção clínica.
Há um estudo realizado nas Ilhas Fiji com as moradoras nativas da Ilha quanto a sua satisfação com o corpo – quase que 100% das mulheres respondeu que estava “ok”, que seu corpo era “normal” e estavam satisfeitas. Quase 30 anos depois, a mesma pesquisadora voltou à Ilha, quando a Ilha já tinha acesso à TV, rádio, revistas e etc. e fez a mesma pesquisa, as respostas foram completamente diferentes – a maioria das meninas tinha algum tipo de insatisfação, algo que gostariam de modificar em seus corpos.
Porém, ter uma insatisfação não é ter efetivamente um transtorno. Tem correlação, mas não é a causa.
ALTERAÇÃO DA IMAGEM CORPORAL
ANOREXIA
Pessoas com o diagnóstico de Anorexia Nervosa (dentro do grupo de Transtornos mentais) revelam alteração marcante do esquema corporal. Apesar de terem um corpo magro, percebem-se gordos. Por muito tempo, pensava-se que pacientes com anorexia eram esquizofrênicos por apresentar delírio, mas hoje, trata-se como uma ideia prevalente. Submetem-se a dietas e exercícios para emagrecer ainda mais, podendo ocorrer casos extremos de caquexia (um estado muito grave de emagrecimento e inanição).
OBESIDADE
Apesar da Obesidade não ser um transtorno mental, é uma doença endócrina, ela possui muitos aspectos psicológicos (comportamentais e emocionais) que merecem atenção clínica. Assim como nos casos de anorexia, há estudos que apontam para a distorção da imagem corporal em pacientes obesos – no sentido oposto, o paciente obeso se vê só um pouco acima do peso e não como realmente se encontra. Há autores que chamam esse evento de fatorexia, mas não é um nome oficial. A principal hipótese para a ‘Fatorexia’ ocorrer é que geralmente quando as pessoas vão ganhando peso e, consequentemente, sua autoestima for sendo afetada, elas param de se olhar no espelho. e ficam com a imagem mental antes do ganho de peso excessivo. Daí, quando se vêem em uma foto ou num vídeo se espantam com o que vêem. Porque na foto ou no vídeo é como estivessem vendo de fora, vendo “outra pessoa” que não si próprio. Assim, a expectativa, a imagem mnêmica não tem atuação e ele consegue enxergar de fato como está, como se estivesse reparando num terceiro, tendo uma visão mais realista.
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PARA SE APROFUNDAR NO TEMA:
» Fenomenologia da Percepção - Merleau-Ponty
» Comportamento de restrição alimentar e obesidade
» Body, Self, and Society: The View from Fiji
» Transtornos Alimentares: Diagnóstico e Manejo
» Transtornos Alimentares e Nutrição