Por que comemos o que comemos?
O comer é influenciado pela genética, relações familiares, cultura, contexto sócio-econômico, história de vida, o ambiente que estamos inserido, fatores biológicos, além dos pensamentos e emoções.
O "comer” é um comportamento como qualquer outro, atravessado por diversos fatores. A ideia aqui é entender o que o influencia. Importante destacar também que os fatores explicitados abaixo não são sentenças, todos eles impactam no comportamento alimentar - o que se come, como se come, quando e a que velocidade - mas na identificação de algo que se queira modificar é tão possível quanto quanto qualquer hábito já estabelecido. Na News #23 Porque é tão difícil mudar? abordo as etapas para a mudança.
“Desde que povoamos este mundo, nós, seres humanos, ocupamos nossos dias nos comportando.”
De acordo com o dicionário, temos a seguinte definição para comportamento:
Comportamento é ato ou efeito de comportar-se, o procedimento de alguém em face de estímulos sociais ou sentimentos e necessidades; a reação de um indivíduo, grupo ou espécie; o procedimento de um organismo ou elemento da natureza; maneira de proceder em relação ao outro; reação peculiar de uma coisa em determinadas circunstâncias.
Skinner definiu que o comportamento é resultado de três níveis de seleção:
Filogênese » relacionada às características da espécie;
Ontogênese » o que é aprendido ao longo da vida e;
Seleção cultural » o que é transmitido, e selecionado, culturalmente.
Posteriormente, teóricos levantaram mais um elemento capaz de costurar os três níveis de seleção, a saber, a herança epigenética transgeracional. Atualmente, a análise do comportamento descreve o comportamento como a relação entre o que o indivíduo faz e o ambiente a sua volta, levando sempre em conta que esse ambiente é tão influenciado pelo indivíduo quanto este é influenciado pelo ambiente. Pensar o comportamento humano apenas como uma ação isolada dificulta a compreensão e é necessário entender o porquê, em que situações, quando, e em que estado emocional ocorrem, ou seja, é imprescindível compreender o contexto.
O comportamento alimentar é a relação que as pessoas têm com a comida e com o ato de comer. É um ato voluntário, onde há possibilidade de escolha e mudança.
O hábito alimentar se forma através da repetição frequente de um ato, uso ou costume relacionados ao comer e está associado a atributos socioculturais que estejam envolvidos com o ato de se alimentar ou com o alimento em si. São formados ao longo do desenvolvimento e vão sendo modificados de acordo com o processo de socialização, como na adolescência, quando sofrem influência da necessidade de pertencimento, na busca da identidade grupal e ao longo da vida sofrerão outras influências, mudanças e alterações. Também envolve processos que se desenvolvem antes e depois do comer, a nível individual e coletivo, além das crenças, ideias, pensamentos, suposições e afetos. Deve-se analisar os fatores externos, como a influência social, cultural, da comunidade e dos familiares e fatores internos como a influência genética, o funcionamento cerebral e bases fisiológicas.
INFLUÊNCIAS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR
O comportamento alimentar é uma interação complexa de fatores fisiológicos, psicológicos, sociais, culturais, genéticos, ambientais e socioeconômicos que influenciam o horário das refeições, a quantidade de alimentos ingeridos, a preferência alimentar e a seleção de alimentos.
Fatores intrínsecos como método de preparação, textura, odor, sabor, brilho, cor, temperatura, qualidade; Fatores pessoais como nível de expectativa, prioridade, familiaridade, influência dos outros, personalidade, humor, apetite, emoções, família, educação; Fatores culturais e religiosos como crenças e restrições religiosas, tradições e influências da cultura onde nasceu, se desenvolveu e está inserido e habituado; Fatores biológicos como sexo biológico, idade e fisiológicos como alteraçoes hormonais ou doenças; Fatores psicológicos como estado emocional, humor e personalidade. Dentre os fatores extrínsecos estão os fatores ambientais, fatores situacionais, publicidade, variações sazonais e ainda, os fatores socioeconômicos como condições econômicas, custo alimentos, hábitos passados, convencionalidade, prestígio.
Há uma infinidade de vieses que poderemos abordar, escolhi os que considero mais relevantes para exemplificar:
GENÉTICA
A genética pode influenciar na percepção do gosto, através da variação das características das papilas gustativas e na sensibilidade dos receptores gustativos, que contribuem para a percepção do paladar de um indivíduo e, consequentemente, das preferências alimentares.
Acredita-se que a quantidade, frequência e horário das refeições estejam, em parte, sob controle genético, mas sofrerem influência também do ambiente socioeconômico, comportamentos alimentares aprendidos e condições fisiológicas.
Atualmente, temos mais elementos para compreender qual é o peso da genética no nosso comportamento alimentar, na nossa relação com a comida e na nossa constituição corporal. Os estudos da genética do comportamento alimentar possuem duas grandes áreas: Como nosso corpo metaboliza e armazena essa energia e a influencia da genética nas escolhas alimentares.
Porém, ter uma predisposição a gostar mais ou menos de um determinado alimento não é uma sentença - a exposição aos diferentes preparos (e, como consequência suas diferentes texturas e sabores) contribui para o aumento do repertório alimentar.
INFLUÊNCIAS FAMILIARES E EXPOSIÇÃO AOS ALIMENTOS
Ainda que as influências familiares existam, não são determinantes na alimentação de um ser humano, já que o desenvolvimento do comportamento alimentar conta também com a atuação de outros fatores psíquicos, como a personalidade.
As mudanças das configurações sociais e familiares ocorridas nas últimas décadas impactaram a alimentação, pois, em busca de comodidade e praticidade, os alimentos industrializados passaram a estar cada vez mais presentes na vida cotidiana ocidental. Tais práticas alimentares estão relacionadas com a trajetória pessoal na família, pois as influências que determinam o comportamento alimentar de um indivíduo iniciam na infância, quando a alimentação da criança passa a ser igual à da família, sendo estimulada pela cultura na qual está inserida.
A variedade de comida ofertada a uma criança ao longo do seu desenvolvimento pode ajudá-la a ser mais versátil na alimentação em relação a formas, texturas, sabores e diferentes estilos de preparo.
A maneira que o alimento é oferecido é tão influente quanto a escolha dos alimentos oferecidos, então, quando um alimento é apresentado e oferecido de maneira positiva, através de um estilo parental positivo, há um estímulo para que o indivíduo aprenda a comê-lo. Além disso, a modelagem também é um fator significativo já que a criança tende a seguir os hábitos dos adultos à sua volta, já que a criança vê adultos comendo, falando e reagindo a determinado alimento de uma certa forma e tende a imitá-los.
Outro ponto importante é como a família lida com a restrição e o controle da alimentação. É normal que um adulto controle e restrinja a alimentação de uma criança, mas a maneira como essa restrição é feita possuem influência na relação da criança com a comida. Restrições muito severas e com punições podem gerar um aumento no valor emocional de determinado alimento. Uma criança que não tem contato, é proibida como se tivesse alergia a um doce/brigadeiro – pode acabar a vê-lo como algo muito raro e muito especial – gerando um valor emocional muito grande.
Os alimentos que somos expostos mudam os nossos comportamentos, tanto na infância quanto na vida adulta. Se somos expostos a muitos alimentos palatáveis (ultraprocessados), maior a tendência teremos de nos habituarmos a este tipo de alimentação, escolhendo-os e ingerindo-os no dia a dia. Do contrário, se a pessoa é exposta a alimentos mais saudáveis, menos palatáveis, a tendência é que o comportamento alimentar seja mais moderado.
TRAÇOS DE PERSONALIDADE
Há traços de personalidade, baseados na teoria de personalidade big five, que podem afetar mais diretamente as atitudes alimentares de um indivíduo.
Rigidez e Controle » Indivíduos com traços de rigidez e controle mais acentuados, têm maior facilidade em se alimentar de forma mais saudável por seguirem regras e controlarem impulsos mais facilmente. Paradoxalmente, pacientes com Anorexia Nervosa (AN) ou ortorexia, são extremamente rígidos e acabam seguindo regras que estabelecem mesmo sendo disfuncionais.
Abertura ao novo » Está relacionado a pessoas mais abertas à novas experiências, o que facilita na ampliação de repertório alimentar. A depender de como foi o desenvolvimento e o ambiente ao seu redor, as pessoas vão se limitando ou não com o rol de comidas.
Extroversão » Pessoas mais extrovertidas, tem a tendência de estarem em grupo com maior frequência, o que pode levar a uma maior dificuldade em se alimentar de maneira saudável, já que situações sociais ocorrem em torno de comida não saudáveis. Além disso, estes indivíduos podem tender a comer mesmo sem fome pela sensação de pertencimento.
Instabilidade Emocional » Este é um fator relevante no comportamento alimentar, já que indivíduos instáveis emocionalmente tendem a utilizar o alimento como uma ferramenta para regulação emocional
INFLUÊNCIAS COGNITIVAS E EMOCIONAIS
Dentre as diversas influências cognitivas e emocionais relacionadas ao comportamento alimentar estão a autoeficácia, percepção sobre o próprio corpo, crenças sobre comida e o comer, ansiedade, estresse, estado de humor e privação de sono.
Autoeficácia está relacionada a percepção de que são capazes de realizar mais coisas, relacionando-se com uma melhor relação com a comida e maior facilidade em melhorar essa relação, tendo mais persistência diante de obstáculos. A pessoa que tenha uma crença de que não consegue vai ter maiores dificuldades nessa relação tanto em outras tantas que permeiam sua vida. A autoconfiança influencia na escolha de alimentos saudáveis quando fora de casa ao invés de industrializados, ao comer de forma controlada quando na presença dos amigos ou em conseguir negar de forma assertiva quando um alimento é oferecido. O aspecto do corpo ideal, e a percepção de seu próprio corpo, tem uma relação direta com a comida e, a depender da ideia que se tenha sobre o ideal de corpo, o sujeito pode ter maior ou menor dificuldade na relação com a comida. As crenças sobre a comida são formadas ao longo do desenvolvimento, com o aprendizado de informações e regras de alimentação que influenciam suas escolhas. Altos índices de ansiedade e estresse, assim como humor deprimido ou eufórico, influenciam a forma de se alimentar, tendo impacto, em geral, em uma maior ingesta alimentar. Por fim, a privação de sono tem impacto sobremaneira no comportamento alimentar, pois pessoas privadas da quantidade necessária de sono recorrem mais à comida, seja porque estão mais tempo acordadas ou porque estão mais cansadas e utilizam comida para ajudá-las a estarem mais despertas.
INFLUÊNCIAS SOCIAIS E AMBIENTAIS
Preferências alimentares são construídas de acordo com a sociedade, cultura, crenças e religião de determinada comunidade, sendo assim, é imprescindível considerar o contexto do indivíduo e seus diferentes usos e costumes socioculturais.
A escolaridade
e a condição socioeconômica são dados importantes para entendimento do contexto, já que o maior nível de instrução tem relação positiva sobre o consumo de frutas e hortaliças e a condição econômica é um fator delimitador das escolhas alimentares, pois o acesso aos alimentos mais saudáveis de forma mais acessível estão distantes da realidade de pessoas com maior dificuldade econômica.
A mídia
(televisão e redes sociais), de forma bastante incisiva e agressiva, dita regras e muda comportamentos, assim como a publicidade também tem forte influência no comportamento alimentar, pois a grande maioria das propagandas estão relacionadas a produtos alimentícios pouco saudáveis - ricos em gorduras e açúcares - e ao consumo de comidas prontas ou de delivery/aplicativos.
Religião
é um dos aspectos culturais que podem influenciar a alimentação dos indivíduos (como exemplo, o judaísmo, que tem regras na alimentação).
O fator cultural
não deve ser levado em consideração somente em pessoas de nacionalidades diferentes, já que mesmo dentro de um mesmo país, como o Brasil, há uma imensidade de hábitos alimentares distintos.
PISTAS AMBIENTAIS
Há alguns estudos que concluem que um dos fatores que influenciam a escolha de alimentos (e a quantidade que se come) são as pistas ambientais não conscientes - a pista visual sobre a quantidade de comida que ainda há na porção. Ou seja, se ainda há comida no prato é um sinal de que deveríamos continuar comendo. A oferta de combos nos fast-foods, a oferta do aumento da porção por um valor insignificante e pratos de self-services maiores, a tendência é que o consumo aumente de forma silenciosa, despercebida. A ideia é que a embalagem sendo maior é uma pista ambiental de que o consumo deve ser maior também.
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PARA SE APROFUNDAR NO TEMA:
» Genetics of eating behavior: established and emerging concepts
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