#24 Afeto, emoções, sentimentos
A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as vivência.
A vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as vivências humanas.
Este assunto foi abordado no episódio:
A afetividade é uma consequência de ações do indivíduo para suprir suas necessidades corporais ou psíquicas. O termo acaba sendo usado, no senso comum, para designar outros termos como afetos, paixões, emoções, sentimentos e humor.
Há grande desacordo entre autores sobre a definição de cada termo, pois, na prática, eles são intercambiáveis. Há teorias que vão diferenciar emoções de sentimentos (como a neuropsicologia) e aquelas que tratam como sinônimos (TCC).
AFETO
Do latim afficere, significa influenciar, afetar. É um termo mais genérico para falar sobre um estado subjetivo, que pode ser positivo ou negativo; agradável ou desagradável.
HUMOR
Um somatório, uma resultante de vários estados afetivos que foram vivenciadas durante determinado tempo. É o estado afetivo basal da pessoa.
Se o indivíduo tem um humor alegre, pode ter tido momentos de tristeza, medo, diversas emoções diferentes, mas terá tido experiências mais próximas a alegria do que de outros estados afetivos. É a lente afetiva que dá às vivências do indivíduo – tendo o poder de ampliar ou reduzir o impacto dessas experiências, podendo modificar a natureza ou o sentido delas.
O humor oscila entre os polos de alegria, tristeza, irritabilidade, calma e ansiedade.
Porque a depressão é um estado de humor?
Porque a tristeza é uma emoção. A depressão é um humor, porque é um estado afetivo que se mantém no indivíduo. Ele pode vivenciar outras emoções (boas ou ruins) mas a forma basal é se sentir deprimido, melancólico, triste. O somatório de momentos de tristeza é predominante.
PAIXÃO
É o estado afetivo extremamente intenso que domina os pensamentos e ações do indivíduo, inibindo os demais interesses.
EMOÇÃO
Do francês emouvoir, significa comover, emocionar. Está ligado à ideia de movimento.
É um estado afetivo súbito, momentâneo, de curta duração, que normalmente vem acompanhado de uma reação no corpo, uma reação física - frio na barriga, coração acelerado, aperto no peito. Muitas vezes o paciente não é capaz de descrever essa sensação física, não consegue expressar o que está sentindo, mas elas estão ali. É papel do profissional que o acompanha orientá-lo e ajudá-lo a expressar.
Uma forma do profissional observar essas emoções é através da expressão corporal do paciente, como mexe o corpo, a expressão facial, o quanto fala de um determinado assunto. Isso guia o profissional a entender que há algo ali a ser explorado e que em muitos momentos não é percebida pela própria pessoa. A linguagem pode ser modulada e editada, a emoção não. A emoção sentida em determinado momento e em determinada fala (mesmo que a fala possa denotar algo que deveria passar desapercebido) aponta para um caminho.
SENTIMENTO
Do latin sentire, significa sentir, perceber através dos sentidos, dar-se conta. É elaborado cognitivamente. Menos intenso, um pouco mais racional. Mais estável, mais perene.
De modo geral, são vivenciados em dois polos: agradável x desagradável.
Sentimentos da esfera da tristeza: Melancolia, saudade, tristeza, nostalgia, vergonha, impotência, aflição, culpa, remorso, autodepreciação, autopiedade, sentimento de inferioridade, infelicidade, tédio, desesperança, etc.
Sentimentos da esfera da alegria: euforia, júbilo, contentamento, satisfação, confiança, gratificação, esperança e expectativa.
Sentimentos da esfera da agressividade: raiva, revolta, rancor, ciúme, ódio, ira, inveja, vingança, repúdio, nojo e desprezo.
Sentimentos relacionados à atração pelo outro: amor, atração, tesão, estima, carinho, gratidão, amizade, apego, apreço, respeito, consideração, admiração, etc.
Sentimentos relacionados ao perigo: medo, temor, receio, desamparo, abandono, rejeição.
Sentimentos de tipo narcísico: vaidade, orgulho, arrogância, onipotência, superioridade, empáfia, prepotência
RELAÇÃO DO AFETO COM AS DEMAIS FUNÇÕES PSÍQUICAS
» Afeto »»» Atenção
A atenção é afetada pela vontade e afeto. É captada, dirigida ou desviada em função do valor afetivo de determinado estimulo. Aquilo que nos afeta em maior proporção ganha nossa atenção.
Atenção foi abordada na newsletter de 17 de janeiro de 2023
» Afeto »»» Vivência no tempo
Nossa percepção de passagem de tempo oscila segundo o colorido afetivo do estado emocional em que estamos.
Quando há muita ansiedade para que um dia chegue, parece que o tempo corre mais devagar. Quando vivenciamos uma experiência muito boa, em que estamos extremamente felizes, tendemos a não perceber a passagem de tempo.
» Afeto »»» Memória
A fixação da memória está diretamente ligada a intensidade de afeto daquela lembrança. Tendemos a nos lembrar de eventos muito marcantes, independente de serem “bons” ou “ruins”, conforme nosso julgamento.
O tema Memória foi abordado na newsletter de 14 de fevereiro de 2023
» Afeto »»» Sensopercepção
Pode se alterar dependendo da intensidade do afeto vivenciado, podendo inclusive, desencadear alucinação em pessoas com psicoses.
O tema Sensopercepção foi abordado na newsletter de 11 de novembro de 2022
» Afeto ««»» Pensamentos
Nossos pensamentos e emoções são afetados e afetam emoções e sentimentos – consciente ou inconscientemente.
ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DA AFETIVIDADE
EUTIMIA
Estado basal de humor.
É estado “normal” do humor, sem variações que prejudiquem o indivíduo. Há momentos de alegria, tristeza, raiva, melancolia, mas no geral, se mantém, estável. Quando falamos que o sujeito está eutímico, é que não há alteração visível do humor.
APATIA
Diminuição da excitabilidade emocional
Estado basal desagradável. Apesar de saber a importância afetiva que determinado evento deveria desencadear, não consegue sentir nada ou muito pouco, não há reação afetiva. Um “tanto faz quanto tanto fez”. Há perda da motivação emocional para buscar e alcançar objetivos desejados. Vale ressaltar que, na subjetividade individual, não há comparação de quem é mais triste do que o outro. Mas para a pessoa, dentro de um estado basal – ela consegue definir se é mais agradável ou desagradável para uma avaliação individual. A métrica é sempre individual.
Característico dos quadros depressivos, podendo estar presente na esquizofrenia, doença de Parkinson e Alzheimer.
ANEDONIA
Incapacidade total ou parcial de sentir prazer em determinadas atividades ou situações vivenciadas.
Normalmente o sujeito relata que passou a “perder a graça”, não sentir prazer sexual ou gostar de estar entre amigos, com a família ou desfrutar de um bom almoço. É muito similar a Apatia e frequentemente ocorrem simultaneamente.
Sintoma central das síndromes depressivas podendo ocorrer em quadros de esquizofrenia e transtornos de personalidade.
EXALTAÇÃO
É um aumento da intensidade ou duração dos afetos ou ainda, uma reação desproporcional ao contexto. Que pode ocorrer tanto para a alegria quanto para a tristeza.
Ou são desagradáveis ou causam prejuízo. Pode ocorrer uma exaltação de afetos para a qualidade de raiva, irritação que pode ocorrer em pacientes deprimidos, maníacos, ansiosos – quando ocorre de forma muito intensa ou muito prolongada.
Pacientes em mania: exaltação de afetividade, exacerbada. O próprio paciente não se sente prejudicado por essa exacerbação de afetividade, mas causa prejuízo social, para terceiros, então é visto como uma alteração de uma condição “normal”, ou mais comum.
Depressão: também é uma exaltação de afeto mas de uma qualidade triste. Nos pacientes deprimidos o que se encontra diminuído é sua energia, sua volição e não seu afeto.
Ansiedade: pode ser uma manifestação de afeto prologada – manifestada em pacientes com transtorno do pânico, ansiedade generalizada ou ainda em transtornos fóbicos.
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Apesar de ser apresentada aqui como uma exaltação de afeto para a tristeza, há autores que classificam a depressão como uma diminuição de afeto. Porém, não há como comparar um paciente deprimido com um paciente que está com embotamento. Devemos pensar em afetividade de acordo com seu radical “afetar” – um paciente em depressão é MUITO afetado, só que com o sentimento de tristeza. Já um paciente embotado, não é afetado – nem com tristeza nem com alegria, nem com raiva.
EMBOTAMENTO
Redução dos afetos, como se tivesse uma redução do volume, da expressão afetiva.
O indivíduo não relata, mas também não manifesta esta (ou falta desta) expressão afetiva. É observável e constatável por meio da mimica, da postura e atitude do paciente. O sujeito torna-se indiferente ao seu meio, às pessoas ao seu redor ou a si próprio. Como consequência do embotamento, pode ocorrer a anedonia, que seria a ausência do prazer
Ocorre principalmente na esquizofrenia – nas formas hebefrênica e residual. Sintomas negativos como embotamento e apatia são os mais difíceis de remitir diferentemente dos sintomas positivos como delírios e alucinações que são remitidos, quase que totalmente, através de medicação.
Também pode ocorrer no transtorno de personalidade esquizotípica e esquizoide, nos casos de demência, retardo mental e no coma.
No caso do transtorno de personalidade antissocial (conhecido no senso comum como psicopata) o embotamento é restrito a ansiedade e ao sentimento de culpa - inexistentes.
No caso do transtorno de estresse pós traumático, pode ocorrer o embotamento momentâneo, enquanto o sujeito se recupera daquele episódio de grande magnitude.
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Apesar de pacientes deprimidos descreverem um sentimento de vazio, como se estivessem sentindo menos ou com falta de sentimentos, trata-se de avaliar corretamente e ajustar o termo leigo do paciente ao técnico. O que ocorre com pacientes deprimidos não é falta de sentimento, mas sim um sentimento negativo abundante.
ALTERAÇÕES DO HUMOR
DISFORIA
Uma tonalidade afetiva desagradável, mal humorada.
Quadro depressivo (depressão disfórica) ou quadro maníaco (mania disfórica) acompanhado de forte componente de irritação, amargura, desgosto ou agressividade
EUFORIA
Alegria patológica
Humor morbidamente exagerado, onde predomina alegria intensa e desproporcional (típico da mania).
ELAÇÃO
Além da alegria patológica, há uma expansão do Eu, uma sensação subjetiva de grandeza e poder. O ‘eu’ vai além dos limites, ganha o mundo.
PUERILIDADE
É uma alteração do humor que se caracteriza pelo aspecto infantil e regredido.
Vida afetiva superficial, emoções se afloram por motivos banais, não constitui afetos profundos e duradouros.
Comum na esquizofrenia, indivíduos com déficit intelectual e em alguns casos no transtorno de personalidade histriônica.
MORIA
Uma forma de alegria boba, ingênua.
Ocorre em pacientes com lesões nos lobos frontais, deficiência intelectual e quadros demenciais acentuados.
IRRITABILIDADE PATOLÓGICA
Hiper reatividade desagradável, hostil e eventualmente agressiva a estímulos do meio exterior.
Qualquer estimulo é sentido como perturbador e a reação é disfórica. Tudo é vivenciado com muita irritação – barulhos, vizinhos, latidos, agitos, conversas, muitas pessoas num local...
Frequente em quadros de transtornos de ansiedade, depressão, quadros maníacos e esquizofrênicos.
LABILIDADE
Instabilidade afetiva
Dificuldade no controle do afeto e é caracterizada por mudanças muito frequentes do humor – muitas vezes bruscas e imotivadas. As emoções atingem grande intensidade, porém com curta duração. O estado afetivo está continuamente oscilando indo de um polo ao outro em curto espaço de tempo. Ex. vai da alegria à tristeza, voltando à alegria e passando à irritabilidade. O ambiente também pode influenciar a mudança brusca e a intensidade desse afeto.
Transtorno de personalidade é frequente apresentar (borderline) Labilidade afetiva – oscila de forma abrupta, rápida e inesperada.
INCONTINÊNCIA AFETIVA
Mais frequente/intensa que a labilidade – geralmente aparenta uma confusão.
Há uma perda completa da capacidade de controle emocional, uma falha do sistema inibitório adquiridos no desenvolvimento pela sua educação e convívio social. As reações ocorrem em consequência a estímulos apropriados mas são extremamente intensas, desproporcionais e exageradas ao contexto. Riso ou pranto convulsivo ou raiva extrema.
Comum em pacientes psicóticos, maníacos, no transtornos borderline, explosivo e antissocial.
RIGIDEZ
Ausência de modulação dos afetos com a situação de cada momento.
É o extremo oposto do que ocorre na labilidade e incontinência afetiva, pois varia muito pouco, menos do que o ‘normal’. Mantém mais ou menos o mesmo estado afetivo independentemente do que acontece no ambiente, seus estímulos. Típico da esquizofrenia: a expressão facial que não se modifica pelo que acontece no ambiente (aconteceu uma coisa boa ou ruim, e a expressão facial está a mesma).
Na depressão também pode ocorrer – entendendo que apresentará um afeto que não muda dentro de um colorido triste, de uma afetividade predominantemente de tristeza – pode ocorrer alguma coisa muito legal, mas ele continua aparentando aquela tristeza.
DISTÚRBIOS DE CONTEÚDO DOS AFETOS
PARATIMIA
Inadequação do afeto. Incongruência entre o afeto expressado e o contexto em que está presente.
Não consegue controlar, aliás, não adequa o afeto ao contexto. Demonstrar alegria num momento muito triste ou o contrário. Num enterro começa a gargalhar (“Coringa”). O riso de nervoso é uma forma de paratimia, uma demonstração de afeto inadequada à situação. Muitas vezes, é uma forma de fuga ao estado afetivo esperado à situação que se apresenta.
Típico da esquizofrenia e transtornos esquizotípicos
NEOTIMIA
Sentimento inédito, novo, que não se consegue descrever.
Um certo estranhamento em relação ao mundo. O paciente sente tal estranhamento em relação ao mundo e não consegue nem descrever direito essa sensação nova, nunca sentida antes. Comumente ocorre no início de um quadro psicótico. Mas pode ocorrer em quadros de intoxicação por alucinógenos.
AMBITIMIA
Sentimentos opostos ao mesmo tempo na mesma situação.
Deverá haver uma desorganização psíquica para que essa situação se apresente. Ambivalência afetiva – cisão radical do eu (ESQUIZO – FRENIA = EU DIVIDIDO) – dois afetos vivenciados ao mesmo tempo à amor E ódio; rancor E carinho. No cotidiano, é comum que em uma determinada situação eu mude meu sentimento a depender do estímulo recebido e depois volte ao estado anterior.
Ex. Briguei com minha esposa, naquele momento o que eu sinto por ela é raiva, e não raiva com desejo ou raiva com paixão. É raiva. Posso ter o sentimento de amor e uma emoção de raiva – o estado afetivo (que é intenso e fulgaz) ser raiva.
De forma similar, ocorre numa sessão de terapia – chegar com um sentimento, um estado afetivo e após a elaboração, conseguir modular o estado afetivo.
ALTERAÇÕES DE AFETO NOS TRANSTORNOS
» TRANSTORNOS DEPRESSIVOS
Humor triste (tristeza patológica) e em alguns quadros ansiedade e irritabilidade intensas e rigidez afetiva.
Sentimento de culpa e arrependimento são frequentes.
Auto estima geralmente é ruim ou péssima. O indivíduo tende a olhar mais para o passado do que para o presente e futuro.
Vive em constante lamento diante da impossibilidade de mudar, apresentando grande desesperança.
Ideias e planos suicidas são vistos com frequência.
» TRANSTORNO BIPOLAR - EPISÓDIO MANÍACO
Caracterizada pelo humor alegre (Hiperforia) por vezes eufórico e exacerbado, podendo também apresentar irritabilidade excessiva e agressividade quando se sente impedido ou frustrado em realizar as atividades que deseja.
Estão presentes labilidade e incontinência afetiva.
E uma sensação constante de: “jamais me senti tão bem”
» ESQUIZOFRENIA
Embotamento está entre os principais sintomas negativos da esquizofrenia.
Nas fases mais agudas ou nos surtos há um sentimento de estranhamento, sensação de que o mundo, o próprio e o ambiente, está modificado, incompreensível – apresentando neotimia e ambivalência afetiva – pré delirantes.
Um traço marcante do quadro são os sentimentos de perseguição e insegurança – esses traços costumam ser reforçados por delírios de persecutórios.
Quadros mais avançados apresentam uma mudança significativa na questão afetiva, apresentando maior apatia, anedonia, distanciamento e indiferença afetiva até o embotamento afetivo.
Paradoxalmente, também pode apresentar hipersensibilidade afetiva, gerando sofrimento e sintomas positivos como alucinação e/ou delírios, desencadeando humor ansioso e medo.
» TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
O transtorno de personalidade Borderline se caracteriza pelo humor disfórico e frequente sentimento de vazio.
A impulsividade característica do quadro está associada a intensa labilidade e incontinência afetiva – há uma grande dificuldade no controle da irritabilidade e da raiva, havendo com frequência exaltação afetiva.
» TRANSTORNOS DISFÓRICO PRÉ-MENSTRUAL (TDPM)
Se caracteriza pela exaltação afetiva, principalmente irritabilidade, mas também por tristeza e ansiedade de grande intensidade.
Tipicamente há labilidade afetiva.
» TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
A ansiedade patológica é caracterizada como um transtorno do humor, onde é presente uma exaltação afetiva (do estado afetivo da ansiedade).
Transtorno do pânico: atinge uma intensidade extrema.
Ansiedade generalizada: apresenta um estado afetivo muito frequente e persistente.
Transtornos fóbicos: a ansiedade é desproporcional ao estímulo, reconhecida pelo próprio paciente como desproporcional e que leva a um comportamento de esquiva.
» TRANSTORNOS DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO (TEPT)
Pode ocorrer sintomas depressivos, ansiosos e irritabilidade. Também pode apresentar embotamento afetivo momentâneo causado pelo trauma.
RECOMENDAÇÕES
Livro - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais » Paulo Dalgalarrondo