#26 Obesidade
Não há uma causa única que torne alguém obeso - sendo uma doença multifatorial, o tratamento é multidisciplinar. Apesar de ser uma doença endócrina, o acompanhamento por um psicólogo é fundamental.
Repita comigo:
obesidade é uma doença
obesidade é uma doença
obesidade é uma doença
Ok. Já fixamos isso, né?
Há um grande estranhamento das pessoas em geral quando escutam falar que a Obesidade é doença. Essa definição não se trata de um um conceito filosófico, um achismo, está bem estabelecido pela ciência e pelas organizações da área da saúde (CID 11 - E66).
Obesidade não é um transtorno mental nem um transtorno alimentar, ainda que seja comorbidade de tais transtornos (em torno de 50% dos pacientes obesos tem um transtorno alimentar como comorbidade), ela está catalogada como uma doença endócrina.
A obesidade é o excesso de gordura corporal
CRITÉRIO IMC E QUESTIONAMENTOS
A OMS define o diagnóstico pelo índice de massa corporal (IMC), que é calculado utilizando a altura e o peso do indivíduo. Uma pessoa tem obesidade quando o IMC é maior ou igual a 30 kg/m2 e a faixa de peso dentro de uma normalidade (ou seja, ideal em termos de saúde) varia entre 18,5 e 24,9 kg/m2. Os indivíduos que possuem IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 são diagnosticados com sobrepeso, e já podem ter alguns prejuízos com o excesso de gordura. Há ainda três graus de obesidade (¹ entre 30 e 35, ² entre 35 e 40 e ³ acima de 40).
IMC = peso (kg) / altura (m)2)
A definição de IMC é questionável, já que não leva em consideração a composição corporal de cada individuo, o cálculo parte de uma dedução de que esta composição está em excesso de gordura e não de outros tipos de tecidos.
Por exemplo, o IMC de pessoas extremamente musculosas é alto e elas não são obesas - há um alto índice de massa muscular e não de gordura no organismo. Porém, essas pessoas, diante da população geral são exceções e não a regra.
Então, como uma medida geral epidemiológica, como um ponto de corte geral, o IMC é uma boa ferramenta.
Existem outros instrumentos, mais eficazes, para medir o nível de gordura corporal como a Prega cutânea e a Bioimpedância, porém tais instrumentos não estão ao livre acesso de toda a população.
EPIDEMIA DA OBESIDADE
A obesidade é uma epidemia, mata mais que a fome/subnutrição - exceto na África subsaariana, em que o nível de subnutrição é gritante – matando também mais que o tabaco.
No Brasil, estima-se que em torno de 50% de toda a população brasileira esteja acima do peso normal – sobrepeso /obesidade. Na população adulta, esse % aumenta para 60.3% (em torno de 96 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE). Nos últimos 13 anos, a obesidade aumentou cerca de 72%.
Ainda não se tem estudos/dados pós-covid, mas a expectativa é que os dados aumentem pós pandemia – esse aumento já é sentido na prática clínica por muitos profissionais.OBESO SAUDÁVEL?
Há quem defenda que o Obeso saudável é aquele que não apresenta uma questão de saúde – é saudável por não ser diabético ou hipertenso ou não ter esteatose hepática (gordura no fígado) ou apneia do sono.
Isso só significa que o obeso não tem comorbidades atreladas. Mas isso não quer dizer que esteja saudável.
Ter um excesso de gordura corporal já implica em uma doença, sem necessidade de ter outras doenças relacionadas para ser diagnosticado.
A obesidade, por si só, é uma doença e predispõe maior probabilidade de ter outras doenças como comorbidades, como as citadas acima, além de transtornos mentais – cerca de 50% dos Obesos têm um transtorno mental atrelado.
Inclusive, muitas das doenças diagnosticadas como comorbidade reemitem quando o obeso consegue emagrecer, ou seja, diminuir seu nível de gordura no organismo.
Falar de Obeso saudável é como falar de tabagista saudável.
Pois por muito tempo o tabagismo era romantizado, era sinal de empoderamento, de elegância, etc. Com o tempo comprovou-se os malefícios que o tabagismo trazia ao organismo e houve uma ampla divulgação para o público em geral. Hoje, quem escolhe fumar, fuma sabendo dos riscos que está arcando para sua saúde.
Da mesma forma, quem defende que obesidade não é uma doença está indo contra às amplas evidências científicas dos malefícios causados pelo excesso de gordura em um organismo.
DISTORÇÃO DA IMAGEM CORPORAL
Assim como nos casos de Anorexia, há estudos que apontam para a distorção da imagem corporal em pacientes obesos – no sentido oposto.
Enquanto na anorexia, a paciente está extremamente abaixo do peso e se vê acima do peso, com barriga e etc., na obesidade é exatamente o contrário, o paciente obeso se vê só um pouco acima do peso e não como realmente se encontra. Há autores que chamam esse evento de fatorexia, mas não é um nome oficial.
Vale explicar que aquilo que vemos no espelho não é exatamente nosso corpo naquele momento e sim aquilo que temos registrado como é. É chamada a imagem mnêmica, aquela que temos de nós mesmos mentalmente – essa imagem é comporta pelas nossas características físicas, mas também pelas nossas expectativas quanto a essas imagens.
Dada essa explicação, a principal hipótese para a ‘Fatorexia’ ocorrer é que geralmente quando as pessoas vão ganhando peso e, consequentemente, sua autoestima for sendo afetada, elas param de se olhar no espelho. Ficam com a imagem mental antes do ganho de peso excessivo. Vai ganhando peso, vai se incomodando com aquilo e para de olhar. Daí, quando se veem em uma foto ou num vídeo – se espantam com o que veem. Porque na foto ou no vídeo é como estivessem vendo de fora, vendo “outra pessoa” que não si próprio. Assim, a expectativa, a imagem mnêmica não tem atuação e ele consegue enxergar de fato como está, como se estivesse reparando num terceiro. Tem uma visão realista.
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR
O tratamento da Obesidade é multidisciplinar – porque a obesidade é multifatorial.
Inclusive, é preciso reforçar: Não é CULPA do Obeso!
Não há uma causa única, específica, que torne alguém obeso. Muitas pessoas e entre elas, profissionais de saúde, culpam o obeso pelo estado que se encontra, pela sua dificuldade em emagrecer e o reduzem ao seu peso. A obesidade não é questão de caráter, preguiça, falta de força de vontade de resolver as coisas. Uma das dificuldades do obeso é a parte comportamental, uma das muitas que ele encontra!
É muito comum que a pessoa já tenha passado por diversas tentativas, passado por diversos profissionais e está cansada de ser desacreditada e reduzida ao fato de ser obesa.
Para entender o quanto é absurdo jogar a culpa de uma doença ao paciente, vamos ao seguinte exercício: Digamos que você conheça alguém com depressão grave, que não consegue sair da cama nem para tomar banho ou escovar os dentes. Você diria a ela que o que ela tem é falta de força de vontade? Que ela está é com preguiça de ir trabalhar?
Não, né? Isso seria um absurdo, correto? Pois é... há quem diga isso para pessoas deprimidas ou para pessoas obesas. Não faz sentido atribuir um valor moral a esta doença.
Uma doença multifatorial: Genética, bioquímica cerebral, questões hormonais, ambientais, estilo de vida e questões psicológicas.
E mesmo NÃO sendo um transtorno mental há MUITAS questões emocionais e comportamentais envolvidas na Obesidade.
BALANÇO ENERGÉTICO
O principal mecanismo para o ganho e a perda de peso é o balanço energético.
Apesar de todos os demais fatores envolvidos - o ponto central no tratamento da obesidade é a dieta.
Há de existir um déficit calórico.
O tratamento endócrino é fundamental para regular os índices hormonais;
A prática de atividade física é ótima para que o emagrecimento seja com maior qualidade – o profissional deve estimular o paciente a encontrar uma prática que seja minimamente prazerosa;
O acompanhamento psicológico vai acompanhar questão a comportamental, emocional e as distorções cognitivas - para que o paciente se engaje e se mantenha no percurso correto;
O nutricionista vai prescrever uma dieta adequada – que melhor se alinhe àquele paciente. Ajudar que ele encontre uma dieta que melhor se adeque ao seu estilo de vida. Que não seja um sofrimento, pois deverá seguir pela vida toda com aquela alimentação.
Sem a dieta – não há como emagrecer.
Esse é o principal ponto do emagrecimento
ACEITAÇÃO DA OBESIDADE
Atualmente há uma corrente de pessoas que defendem a aceitação da obesidade como uma característica do indivíduo. Há grupos de obesos que defendem essa aceitação incondicional, assim como existem grupos de anorexicas que lutam para que a Anorexia seja aceita como uma característica da pessoa e não um transtorno alimentar.
“Padrão de beleza está adoecendo as pessoas”
“As pessoas são bonitas nas suas diferentes formas”
“Temos que nos libertar desse padrão de beleza adoecedor.”
A discussão sobre os padrões de beleza tem uma importância social significativa, para a democratização dos diferentes corpos. Porém, isso não muda o fato que um dos critérios para definir a Obesidade como doença, não é sua aparência estética - ser feito ou bonito - e sim o excesso de gordura no organismo e os malefícios que isso pode trazer à vida do paciente. A pandemia, por exemplo, evidenciou isso, pacientes com obesidade e sobrepeso tinham o risco aumentado de um quadro grave em decorrência da COVID-19.
No tratamento psicoterapêutico com o paciente Obeso o tema da Aceitação deve ser tratado mas de forma científica. O trabalho do terapeuta é ajudar o paciente a aceitar sua condição, aceitar o processo que deve ser enfrentado e ter como foco o compromisso de mudança daquela condição. Uma das abordagens mais indicadas para o tratamento é a ACT (Terapia da Aceitação e Compromisso) – “Aceitar aquilo que não posso mudar e me comprometer com a mudança naquilo que é possível”
Aceitar esse corpo, que há um problema, que isso faz parte da sua história, que não pode mudar sua condição de um dia para a noite e que há um processo a ser enfrentado.
MAS
Comprometer-se com o processo de mudança desse cenário. Porque esse cenário é perigoso, preditor de muitas doenças, e de muitas comorbidades. Estar numa condição de excesso de peso é estar doente.
CURA NA OBESIDADE
A obesidade é uma doença crônica por isso não há cura
Quando isso é informado ao paciente obeso, os questionamentos que surgem são: “Mas eu SEMPRE terei que lutar contra a balança?”; “Vou ser obeso para sempre?”; “Vou ter que conviver, aceitar e ser infeliz com esse corpo?”
Não há cura porque se descuidar da alimentação, da atividade física, voltar ao estilo de vida anterior – vai voltar a ganhar peso. As chances de uma pessoa que foi obesa e emagreceu voltar a engordar é maior que uma pessoa sempre manteve o peso. Vai precisar cuidar disso para sempre!
A cirurgia bariátrica cura obesidade?
NÃO!
Muitos pacientes vêm com a ideia de que a cirurgia bariátrica é a CURA. E não! É um método de tratamento dentre vários e não a cura da obesidade. Inclusive, o índice de reganho de peso em pessoas que fizeram a bariátrica é muito alto. O melhor tratamento existente para a obesidade é não engordar! É o tratamento preventivo.
O esforço de toda a equipe multidisciplinar no tratamento da obesidade é a questão comportamental. Para que a adesão do paciente seja satisfatória.
A manutenção dos resultado obtidos no tratamento está condicionada ao paciente continuar fazendo o que precisa ser feito. Aquele estilo de vida deverá continuar.
TRATAMENTO PSICOTERÁPICO PADRÃO OURO PARA A OBESIDADE
O DIV-12 da APA* tem como função listar o tratamento mais indicado para cada demanda e seu nível de evidência.
Quando falamos de utilizar um tratamento com maior nível de evidências – é utilizar um tratamento com maior probabilidade que irá funcionar.
Atualmente, o DIV-12 aponta que:
Para a demanda de Emagrecimento, nos casos em que o paciente não é obeso, a melhor evidência é a Análise do comportamento.
Para Obesidade, o maior nível de evidências é a TCC Clássica (Terapia Cognitiva Comportamental).
Para demanda de um transtorno alimentar – tendo obesidade ou não – a melhor evidência disponível é a TCC clássica (Terapia Cognitiva Comportamental).
Tratamento promissor
Para o futuro, a abordagem DBT é a mais promissora, estudos ainda estão sendo feitos. A DBT, sigla de Terapia Comportamental Dialética foi elaborada pela Marsha Lineham e inicialmente criada para o tratamento de personalidade Borderline – que tem como traço mais marcante a regulação emocional. Hoje, sabe-se que esse é o ponto principal no tratamento da Obesidade.
O paciente obeso faz sua regulação emocional através da comida.
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
Para entender como a TCC irá atuar, vamos ao exemplo:
"Um paciente que estava seguindo uma rotina saudável, com alimentação correta e rotina de exercícios em um determinado dia, acaba furando a dieta, comendo um bolo feito pela tia especialmente para ele. Após terminar aquela fatia de bolo pensa “poxa, estraguei tudo! Furei minha dieta e estraguei tudo que tinha feito. Então, já que estraguei tudo, vou aproveitar e vou comer mais essa coxinha, esse brigadeiro, esse cachorro quente – amanhã eu volto para a dieta.”
Esse mecanismo é um clássico nos processos de emagrecimento – uma distorção cognitiva – um pensamento dicotômico – tudo ou nada! Uma forma de pensar extremamente disfuncional – de 8 ou 80.
Para entender como esse tipo de pensamento é prejudicial:
Vamos pensar que você deixe cair um copo de água na cozinha. Um copo de um conjunto de 6 copos que adorava – o conjunto eram lindo! Enquanto está agachada no chão catando os pedaços de vidro pensa: “não acredito que deixei esse copo cair e quebrar! Ele fazia parte do conjunto que eu amava! Mas não faz sentido ter o conjunto capenga”. Diante desse pensamento, você abre o armário, pega os outros 5 copos e arremessa todos eles no chão.
Isso faz sentido? Não, né?! Pois é. O pensamento de comer deliberadamente depois de ter um furo na dieta também não.
Um dos focos da TCC será trabalhar justamente com esse tipo de pensamento – com essas distorções – assim, atingindo um pensamento mais funcional, mais adaptativo e, consequentemente, tendo emoções e comportamentos mais funcionais e adaptativos também.
Recomendo que leiam os posts que já estão aqui na Newsletter: #20 Estilo de Vida e Saúde mental & #23 Porque é tão difícil mudar?
Esse é meu tema de maior interesse de estudo, vou passar a trazer mais conteúdo do assunto para cá e para o podcast. Comente aqui abaixo alguma dúvida ou sugestão de conteúdo: