#30 Perfil da Obesidade
Há um perfil psicológico do paciente obeso? Sim e Não. Há aspectos cognitivos, comportamentais e psicológicos que devem ser levados em conta no processo de emagrecimento.
Na Newsletter #26 comecei a falar sobre Obesidade por aqui. É um assunto que aparecerá aqui com frequência por ser um assunto que eu amo ler e estudar desde 2013, quando comecei a trilhar um caminho para sair da infelicidade que me consumia naquele tempo. Dentre as diversas caixinhas que, naquela altura, contribuíam para essa maldita (infelicidade, tristeza, raiva, agonia, desgosto, baixa autoestima…) estava minha enorme insatisfação com meu corpo, com meu peso e com minha relação com o espelho. Eu, no alto dos meus 1,63m pesava em torno de 120kgs - e tinha engordado mais de 30 só nos dois anos anteriores. Eu estava meio que desistindo de mim e minha última cartada, quase sem esperança, foi a terapia. Numa próxima PsiNews eu conto mais em detalhes como foi esse processo para mim, não só da obesidade mas de todas as 300 mudanças que ocorreram ao longo desses 10 anos. Por hora, fiquem com uma foto da Fernandona:
Durante as décadas de 80 e 90 até o início dos anos 2000, a psicologia se debruçou a estudar perfis psicológicos de determinados transtornos e doenças. Como se existisse um aspecto psicológico, sinais e sintomas psíquicos, para cada doença existente. Daí surgiu a ideia de quem é mais introvertido, calado tende a desenvolver um câncer ou de quem é mais explosivo, mais ansioso tende estaria mais predisposto a um infarto.
Algo que caiu por terra… Essa estratégia de estudar perfis psicológicos foi abandonada nos últimos anos, pois não encontrou embasamento sólido algum na ciência. O DSM-5, lançado em 2013, como um modelo mais dimensional do que categórico veio catapultar essa mudança.
Porém, mesmo não fazendo sentido dizer que há um perfil psicológico ESPECÍFICO para pacientes obesos, há características psicológicas que tem maior probabilidade de serem encontradas no paciente obeso. São elas:
(DES) REGULAÇÃO EMOCIONAL
Caracterizado por uma Instabilidade emocional e compensação das emoções na comida. Há um nível de ansiedade muito grande e para lidar com essa descarga emocional (como uma estratégia compensatória) utiliza a comida como meio (há pessoas que descontam em compras, drogas, álcool, sexo, jogos, etc).
Importante destacar que todos nós, em alguma medida ou circunstância, acaba recorrendo em algum momento da vida a formas de nos aliviarmos emocionalmente. O problema está na frequência e intensidade que isso é feito.
Um dia ruim, após alguns problemas no trabalho, você passa no shopping, compra uma roupa nova e sente-se mais aliviado. Não é um problema necessariamente. Isso é diferente de, a cada problema que se tem, para se sentir melhor, você PRECISA comprar 10 peças de roupas/sapatos. Aí, temos um problema.
O mesmo vale para qualquer comportamento disfuncional, ou seja, que em grande frequência e intensidade será um problema.
Pessoas obesas também podem apresentar grande labilidade emocional - uma oscilação de humor de forma abrupta, rápida e inesperada - o que contribui muito para que a comida seja utilizada como regulador emocional.
Há estudos recentes que demonstram uma associação entre pacientes obesos e transtornos de personalidade borderline (cuja característica principal é essa labilidade emocional. Por este motivo que há estudos que apontam para DBT (Terapia Comportamental Dialética) como principal estratégia no tratamento da obesidade em casos em que a TCC (terapia cognitiva comportamental) não estiver sendo eficaz.
(BAIXA) TOLERÂNCIA À FRUSTRAÇÃO
Outra característica comumente presente é baixa tolerância a frustração, ou seja, não conseguir lidar com a frustração de não poder comer algo específico no momento em que surge um desejo, uma vontade. Sente um impulso de comer e não consegue lidar com a frustração de não fazê-lo. Pensamentos que costumam estar presentes:
“ah! mas eu mereço”
“vou comer porque estou triste”
“vou comer para comemorar”
"É só hoje, amanhã eu faço direitinho"
IMPULSIVIDADE
É uma das principais características.
Se caracteriza por um ciclo:
Tensão frequente antes do comer – muita angústia, agitação e ansiedade
Obtém prazer e gratificação quando come
Alívio e sentimento de culpa depois da ingesta alimentar, principalmente, em quantidades maiores que o recomendável ou de alimentos fora do dieta.
O ato impulsivo tem como característica passar rapidamente pelo processo de deliberação - não pensar nos prós e contras de uma ação - e partir para a ação sem ponderar muito, sem pensar sobre aquele ato (o comer).
Está ligado à incapacidade de tolerância à frustração, age para satisfazer suas vontades de curto prazo, desconsiderando um plano previamente estabelecido (uma dieta, por exemplo) ou as consequências daquele ato.
Afinal, o que é fazer dieta?
É adiar o prazer imediato visando um prazer futuro como: me sentir melhor, ter mais qualidade de vida, conseguir ter disposição, vestir uma roupa que eu quero, etc.
Há uma grande dificuldade no controle dos impulsos, portanto é frequente terem como comorbidade Transtornos relacionados ao controle de impulsos, como Dependência química, Compras, Sexo – compulsão sexual, Tricotilomania e Cleptomania.
NEUROTICISMO
Há muitos estudos que apontam o Neuroticismo como um dos fatores mais frequentes na personalidade de pacientes obesos. Neuroticismo é uma tendência a experimentar emoções mais desconfortáveis como raiva, ansiedade, tristeza de forma instável e de ver as coisas de forma mais negativa, pessimista, catastrófica. São pessoas que se abalam mais com as situações, têm maior instabilidade para lidar com as questões da vida.
A regulação emocional é um grande desafio às pessoas que tem o Neuroticismo como traço principal em sua personalidade.
DEPRESSÃO E ANSIEDADE
Essa associação é bem descrita cientificamente, a correlação entre os três componente, ansiedade, depressão e obesidade é forte. O paciente obeso pode ter traços fortes de humor deprimido e/ou um nível de ansiedade maior que a população geral.
Os sintomas depressivos englobam sentimento de tristeza, culpa, desvalia, irritabilidade, sensação de incapacidade, perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas, falta de energia e desânimo.
Esses sintomas precisam estar presentes por, no mínimo, 2 semanas e devem ser percebidos pelo paciente como algo que o esteja prejudicando, que cause sofrimento significativo. Entre 30% e 40% obesos podem desenvolver transtorno depressivo maior.
ASSERTIVIDADE E HABILIDADE SOCIAL
O paciente obeso tem grande dificuldade em dizer não, o tem muita relação com a característica de assertividade.
Há três tipos de habilidades sociais:
Passivo » Que não impõe sua vontade, aceita tudo que fazem sem questionar.
Agressivo » Para colocar sua vontade é agressivo, mal educado, grosseiro. Não consegue fazê-lo de forma efetiva, com calma e educação.
Assertivo » Que consegue dizer o que pensa de maneira clara, objetiva, sem ser agressiva, mas conseguindo deixar clara sua vontade e opinião. Sem ser grosseiro ou rude com os outros mas também sem passar por cima das suas vontades e desejos.
A habilidade social é uma ferramenta empregada para atingir determinados objetivos nas relações interpessoais e é fundamental para uma convivência saudável. Saber se comunicar efetivamente é fundamental.
(BAIXA) AUTOESTIMA
É consenso na literatura que há variáveis psicológicas envolvidas no desenvolvimento e na manutenção da obesidade – essas variáveis dificultam o processo de emagrecimento, a obtenção de hábitos saudáveis e a manutenção do peso.
O conceito de autoestima é do senso comum, não há uma definição teórica oficial para tal palavra. Mas, na psicologia, costumamos definí-la a partir de três outros fatores: autoimagem, autoconceito e autoeficácia.
AUTOIMAGEM
Este fator diz respeito a como a pessoa se vê no espelho. Nossa imagem corporal é formada por três componentes:
Componente perceptivo »» o que estamos vendo diante do espelho
Imagem mental »» aquilo que construímos do nosso corpo na mente.
Faça o seguinte exercício: Feche os olhos e imagine seu corpo. O formato que é idealizado é mais ou menos o que vemos refletido no espelho.
Impressão dos outros »» o que as pessoas falam do nosso corpo ao longo da vida.
Em pacientes obesos essa autopercepção do corpo está bastante comprometida, os pacientes obesos não costumam se ver de fato como são.
Ou não se vê tão gordo (Fatorexia) ou evita de se ver no espelho.
Em um teste utilizado por profissionais de saúde, Escala de esquema de silhueta, o paciente tem que marcar sua silhueta. A maioria dos pacientes obesos marcam um esquema corporal que não corresponde ao seu corpo, um menor. Uma das principais hipóteses para essa discrepância é em relação ao componente perceptivo pois no processo de ganho de peso as pessoas começam a evitar a se olhar, a se pegar, a se tocar, não colocam roupas de banho, deixam de ir à praia e à piscina, passam a comprar roupas muito largas para evitar o desconforto de ver o corpo marcado ou de chegar em uma loja e não caber na roupa – e seguem em modo automático tocando a vida, com outras atividades, sem dar atenção a esse ganho de peso.
AUTOCONCEITO
Diz respeito a como pensa sobre si mesmo. Infelizmente pessoas obesas ou que estão muito acima do peso, são vistas pela sociedade como pessoas fracassadas. A ideia por trás desse pré-julgamento é que se a pessoa fracassou com o próprio corpo, não deu conta de cuidar de si, não dará conta em outras áreas da vida - o que é de uma ignorância e preconceito absurdos e por mais que a sociedade tenha avançado em alguns pontos, ainda há a disseminação desse tipo de discurso.
Há diversos estudos que comprovam esse pré-julgamento e o mais icônico se refere a um estudo feito com crianças pré-escolares, pedindo para que elas classificassem outras crianças mostradas em fotografias diversas para a formação de um time, para um jogo. As crianças retratadas nas fotografias tinham diversas características como etnias diversas, deficiência física, crianças muito magras, outras muito obesas, etc. As crianças obesas eram preteridas na escolha.
Esse pré-julgamento desencoraja o sujeito a se expor socialmente – sua dificuldade em socialização e sua característica da falta de assertividade está diretamente relacionada a essa ‘culpa’ em se sentir fracassado, quase que como uma “desculpa” pela sua aparência.
AUTOEFICÁCIA
É a capacidade de resolver seus próprios problemas. Tal capacidade é muito prejudicada, pois, quando não consegue seguir um tratamento, não consegue emagrecer, alimenta sua percepção de incapacidade (seu autoconceito) e, consequentemente, impacta na sua ação.
COMER TRANSTORNADO
É uma dificuldade, uma relação complicada, com a sua autoimagem, com seu corpo e com a sua alimentação – sem preencher os critérios (de frequência e intensidade) de um transtorno alimentar, como a Bulimia ou Compulsão alimentar.
A pessoa que tem o “comer transtornado” tem a comida como preocupação prevalente em sua vida, é um assunto que ronda seus pensamentos o tempo todo.
Recomendo que leiam os posts que já estão aqui na Newsletter:
#20 Estilo de Vida e Saúde mental
#23 Porque é tão difícil mudar?
Esse é meu tema de maior interesse de estudo, vou passar a trazer mais conteúdo do assunto para cá e para o podcast. Comente aqui abaixo alguma dúvida ou sugestão de conteúdo:
Adorei, muito obrigada. Sou psicóloga e ex obesa. Perdi 44 kg e sei como esse processo é difícil. Parabéns!